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A árvore de quatro almas: Miguel Asturias e a lenda Maias

Foto do escritor: Joana MelãoJoana Melão


Podemos falar de política de diversos jeitos. Podemos falar das antigas civilizações apenas lendo livros de História. Todavia, por que explicar a política por si só, quando podemos entendê-la através de outro tipo de história? Pensando nisso, estudar contos ficcionais pode nos apresentar a mundos políticos de povos que vieram séculos antes de nós, ao introduzir as crenças e pontos de vistas de nossos antepassados e nos encantar com esse universo do passado.


O autor Míguel Ángel Asturias nasceu em 1899 na Guatemala e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1967. Sempre conectado com a política, em seus textos, resgatou o ancestral e levou a literatura latino-americana para o mainstream, mostrando histórias indígenas. Em seu livro “Leyendas de Guatemala” está o conto “La Leyenda de la Tatuana”, que retrata uma lenda do período maia.


O conto nos apresenta a uma árvore, que surgiu sem que ninguém a plantasse. Para aumentar sua misticidade, a árvore carrega sua ancestralidade, levando a tradição consigo mesma. Essa personagem da flora apresenta um traço ainda mais peculiar: sua alma é dividida em quatro pedaços, de cores diferentes, sendo elas verde, vermelho, branco e preto, esta última representando o submundo de acordo com a cultura maia.


Destarte, as partes da alma saem pelo mundo e encontram tentações durante o caminho. O pedaço preto sucumbe e se vende para o comerciante, que depois a troca para comprar a mais bela escrava de todos. Tempos depois, a árvore, procurando por sua parte perdida, vai atrás de si mesma e encontra com a escrava. Contudo, a Inquisição intervém neste encontro de almas.


Nesta história vemos o povo maia e a Inquisição, os estrangeiros, o que abre a porta para a discussão do modelo de colonização adotado pelos espanhóis e portugueses no desenvolvimento político-econômico da região. Os maias, por sua vez, habitavam a Península de Yucatán (sul do México, Guatemala, Belize e partes de Honduras e El Salvador) e tinham um sistema político composto por autoridades políticas e religiosas. Sua sociedade era composta por guerreiros e administradores, e sua economia era agrária. Conquistadores, criavam Impérios. A civilização maia era estruturada e avançada politicamente, mas desapareceu misteriosamente.


A região onde eles habitavam foi colonizada por espanhóis. Dentre setores de um bagunçado plano de colonização, a Igreja colonizadora funcionava também como instituição financeira e provedora de políticas sociais. Miguel Ángel Asturias relata isto em seu conto: a Inquisição manda prender e matar a árvore, por ser “um bruxo” e a escrava, por ser "demoníaca".



No entanto, a lenda se mostra firme: as personagens acusadas conseguem a liberdade, indo contra o que foi imposto pelos estrangeiros. No dia da execução, a cela onde estava a escrava, aparece “vazia”. Com apenas uma árvore praticamente seca, contendo uma ou duas flores rosadas, Miguel Ángel Asturias resgata a lenda maia e dá um significado para o que era conquistar (ou reconquistar) a liberdade.


É importante lermos histórias e debatermos as sociedades que estavam aqui estruturadas antes da colonização. Entendermos e lembrarmos das tradições para que elas não desapareçam por completo, como fizeram com os próprios povos. Ouvir histórias de maias contadas por ancestrais de maias, e assim por diante. Por muito tempo foram reprimidos de contar tudo isso, mas graças a autores como Asturias, cada vez mais a literatura e as histórias vão alcançando pessoas mundo afora. Com tudo isso, vamos reconquistando nossa liberdade, entendendo o contexto político atual e porque as coisas são como são hoje em dia. Ler histórias é manter a memória viva. São ficções, mas nem tanto. Às vezes, o que é ficcional diz mais sobre o mundo do que o real - e tudo isso mantém a América Latina mais viva do que nunca.


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