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Crítica: Nosferatu de Robert Eggers

Havia dito um tempo atrás que não escreveria mais sobre os filmes que não gosto. Mas tenho um forte desejo de entender o que faz as pessoas se relacionarem tanto com os filmes dirigidos por Robert Eggers.


Refilmar Nosferatu parece ser um prato cheio para um diretor que se apega tanto ao visual, afinal, o expressionismo alemão é, antes de tudo, um movimento estético. Mas naquele contexto de transição do final do século XIX e início do século XX, havia todo um sentimento em que as obras desse movimento — fosse no cinema, na pintura, ou na literatura — atravessavam não só os artistas, mas toda uma geração de espectadores que viam nesses filmes o nascimento de uma grande forma de encenação. Demarcado pelos desenhos que as luzes produziam nos cenários, os atores precisavam mais do que nunca estar à serviço da câmera, enfatizando seus movimentos e presos dentro de uma "janela" que delimitava todo um mundo.


Essa rigidez cênica, que contava a história de um vampiro em busca de seu objeto de desejo, parecia ser a combinação perfeita para ilustrar aquele período de transição de uma sociedade que abandonava os princípios vitorianos para começar a embarcar nas vanguardas modernistas. Uma criatura milenar, arcaica, que vive nas sombras e na escuridão, talvez estivesse ali para ilustrar o medo ressentido — ou recalcado, para usar um termo que ganhava força na época — que as promessas do progresso positivista prometiam para o futuro da civilização europeia, assim como a própria psicanálise, que vinha com total força para evidenciar o que os vampiros poderiam representar.


O expressionismo alemão é o sentimento oculto guardado nos corações de um império que deixava de existir e se confrontava com uma Europa avant-garde que parecia destoar da realidade da decadência vivida por grande parte da população. O desfecho do expressionismo alemão, para muitos, são as grandes guerras que assolariam o território europeu. Esse era o sentimento que essa grande encenação demarcava com sua estética barroca de luz e sombras.


Vampiros, desejos reprimidos, ameaça das sombras, opressão. Tudo parecia fazer parte desse contexto que hoje conseguimos ver com a clareza que a distância do tempo nos permite. Nossa leitura está certa? Não é possível saber, mas nos faz indagar: hoje, qual o sentido da existência de uma refilmagem de Nosferatu? E não faço a pergunta aqui sob uma ótica utilitarista da arte, mas como uma indagação sobre o que podemos entender de 2025 sob a perspectiva da produção desse remake.


Se colocarmos as duas obras lado a lado, não só perceberemos todo o avanço tecnológico que nenhum visionário do século passado previu, mas também a liberdade com que aqueles corpos se locomovem pelo espaço cênico, principalmente pela liberdade que temos de poder mostrar corpos nus e uma violência extrema que os anos 60 exploraram na sua marginalidade, até chegar as grandes produções.




Mas mesmo diante dessa comparação injusta entre os filmes, ainda sinto que a obra de Eggers está impedida de explorar assuntos com muito mais maturidade. Seja pelos seus objetivos comerciais, que impedem que um produtor permita que os assuntos sejam melhor explorados, seja pela própria delimitação da visão de mundo que Eggers possui. Tenho sérias dúvidas se a representação que ele propõe da relação entre a repressão das mulheres e sua natureza instintiva não está impregnada de uma visão reacionária. E sinto isso desde a Bruxa, seu filme de 2015.


Veja bem, não estou aqui dizendo que um filme precisa estar dentro de uma norma ou fazer parte de uma cartilha de gênero sobre como a mulher deveria ser representada no campo ficcional. Mas sinto que Eggers é incapaz de retratar toda essa "selvageria" sem estar reafirmando clichês psicanalíticos, como se estivéssemos em uma mesa de bar com alguém que teme muito o ser humano e que possui muitas verdades preconcebidas sobre o que ele acredita ser essa tal de "natureza humana".


Talvez esse seja o grande feito de Eggers: travestir o medo que sente desse desejo reprimido de um discurso enfadonho sobre a natureza humana. Sob esse disfarce que me soa misógino, nada como colocar muito barulho e piruetas de câmera para disfarçar o que há de retrógrado nesse filme, mas que soa tão moderno. Só esqueceram de dizer para ele que não há nada mais decadente do que uma ideia moderna.


 

Caetano Grippo (@caetano.grippo) é cineasta, escritor, artista plástico e coordenador do Espaço Rasgo. Formado pela Academia Internacional de Cinema e pela Belas Artes, acumula quase duas décadas de experiência como artista multidisciplinar.

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