top of page

NEWSLETTER

Obrigado por inscrever-se!

Ao cadastrar seu e-mail, você recebe em primeira mão todas as novidades do Espaço Rasgo. Enviamos, no máximo, dois e-mails por semana. E, se mudar de ideia, pode se descadastrar a qualquer momento.

Crítica: Wicked, de Jon M. Chu

Foto do escritor: Eric CampiEric Campi


No texto “Évolution du film musical”, na Cahiers du Cinéma, o crítico Jean Domarchi fala do desdém recebido pelos musicais desde aquela época, em 1955. Para ele, da mesma forma que, historicamente, o trágico era visto como maior do que o cômico (sim, Aristóteles, estamos falando de você), o preconceito de hierarquização dos gêneros teria chegado ao cinema, mesmo que a arte moderna tivesse destruído essa ideia. Domarchi ainda afirma categoricamente que o cinema americano não seria o maior do mundo se não existissem os musicais.


Os de Fred Astaire nos anos 1930, por exemplo, já serviam como demonstrações da opulência que Hollywood era capaz de atingir. No pós-Segunda Guerra, então, o gênero passou a ser um chamariz para a experiência cinematográfica, em combate à televisão, que ia tirando as pessoas da sala de cinema. As cores do technicolor, as lentes anamórficas que permitiam uma proporção de tela mais larga lateralmente, os grandes cenários e números musicais formavam o espetáculo perfeito de excessos permitido pela maior indústria do mundo.


“Wicked”, de Jon M. Chu, sai em um momento parecido ao pós-Segunda Guerra, com o streaming substituindo a televisão. Nada melhor do que tentar retomar os tempos áureos com um prequel de “O Mágico de Oz” (1939), portanto. Em 2025, o musical continua sendo uma demonstração de poder da indústria americana, vide a quantidade de exemplares do gênero participando das principais premiações do mundo. Também é um meio de comunicar o que essa elite cultural, na maioria das vezes progressista, pensa sobre as coisas.


Este é um filme com gostinho de tempos mais simples. A peça original é de 2003, quando ainda não vivíamos com o fascismo gritando em nossos ouvidos; com um ministro norte-americano fazendo saudação nazista em um discurso público. Ou, pelo menos, que não sabíamos que precisávamos nos preocupar com isso. A história da amizade secreta entre as bruxas Elphaba e Glinda se presta à simplicidade da alegoria sobre preconceitos feita com toda a pompa que só centenas de milhões de dólares seriam capazes de produzir.


A grande moral de “Wicked” é que o racismo e a discriminação são ruins. É óbvio, mas o discurso existe a partir de uma leve fábula. É isso que o diferencia do outro musical que concorre ao Oscar de Melhor Filme esse ano, “Emilia Pérez” que trata o espectador como burro e coloca nas próprias músicas o que era para ser só subtexto. Elphaba é diferente, mas poderosa, inteligente e boa. Glinda é a típica loira odonto, mas esconde um bom coração. Ambas devem se contrapor ao racismo. E é basicamente isso, pelo menos até o final, quando a protagonista escolhe assumir o papel de “ruim” que tanto tentam colocar nela.



Chu se utiliza de um aparato, agora sim, nada simples para construir essa fábula. Ele é um diretor maximalista, de encenação exagerada e de uma estilização muito forte, o que faz com que seja o cara para esse tipo de produção. Um dos pontos mais fascinantes do musical é a capacidade do gênero de criar um mundo à parte. Como diria Domarchi, um mundo de cinema. Em que a lógica é própria e é arrebatadora; que permite fantasias e sonhos. Ou, como diria Jean Luc-Godard, a idealização do cinema, como um tipo de filme de estilo intensificado.


O mundo de “Wicked” é construído como o de um antigo musical, com cenários gigantescos e uma direção de arte cuidadosa. Isso também remete a um tempo em que as coisas eram construídas de verdade no cinema, quando ainda não havia fundos de LED que tiram toda a profundidade de campo dos planos. Mesmo que haja momentos em que o CGI toma conta de tudo e a fotografia de “filme da Netflix”, sem contrastes, dê as caras, no geral o que se destaca é um trabalho bonito de cores saturadas.





Os números musicais, que normalmente contam com diversos bailarinos, são encenados de forma a pontuar a relação entre os personagens, de externalizar o que está por dentro, escondido. Mas sem a exposição através das letras e sim pelas movimentações, passos e gestos de cada ator. Chu ainda acha espaço para uma geringonça rotatória na sequência da biblioteca, que é o mais puro suco do musical clássico.


“Wicked” se equilibra, portanto, entre uma narrativa simples e um formalismo espalhafatoso. A âncora de tudo isso, o que sustenta essa estrutura expansiva, é o trabalho das atrizes principais. Ariana Grande constrói Glinda com um timing cômico e uma corporalidade muito precisos. Enquanto Cynthia Erivo é o rosto e o coração do filme. As expressões da atriz são fascinantes e magnéticas. Ela consegue passar por diversos sentimentos complexos sem nunca sair do caricatural que o filme infantil pede.


A primeira parte de “Wicked” é uma demonstração de força da indústria americana ao mesmo tempo em que é um chamado para um retorno a tempos menos difíceis. Um filme que se utiliza de todo o aparato hollywoodiano para defender um tipo de cinema que acredita nas verdades simples e no poder encantatório da arte. Ao contrário do que podem pensar, não é uma obra de cunho escapista, mas uma que defende que um outro mundo, melhor, é possível. Que pede pela crença no conto de fadas para construí-lo.

Comments


INSCREVA-SE NO NOSSO SITE

Fique por dentro de todas as novidades do Rasgo, receba nossa newsletter e acompanhe em primeira mão o lançamento de novos cursos e eventos!

ENTRE EM CONTATO

contato.rasgo@gmail.com
     (11) 96317-5260

whatsapp-white.png

SOCIAL

  • Branca Ícone Instagram
  • Branco Facebook Ícone
  • Branca ícone do YouTube
bottom of page