
(O texto a seguir contém spoilers do filme “A Vila”)
Uma sociedade que vive fechada na própria bolha para manter seus cidadãos controlados e obedientes. Monstros vermelhos, que vêm de outra localização geográfica, tentam invadir e destruir o núcleo desta forma de vida antiga e conservadora.
Esta é, em linhas gerais, a trama do filme “A Vila” (2004), de M. Night Shyamalan, um cineasta extremamente perceptivo em relação aos movimentos do mundo, até porque é um conhecedor e apreciador de narrativas. Em 2000, Shyamalan já havia pressentido o 11 de setembro em “Corpo Fechado”, como bem mostra a icônica imagem do personagem de Bruce Willis, de braços abertos como Jesus, vestindo uma capa de chuva com “segurança” escrito nas costas.

Isso não quer dizer que ele seja um adivinho, mas talvez Shyamalan seja um profeta. Do latim, propheta pode ser traduzido como “intérprete”. Tirando as conotações religiosas, portanto, podemos dizer que o termo designa pessoas capazes de ler os Sinais (trocadilho intencional) que o mundo nos dá para entender o que virá. Basicamente, aquelas que entendem que a História é uma narrativa e que as histórias que contamos sobre o mundo têm impacto nele. Para ser um intérprete é necessário, talvez, de uma sensibilidade mais apurada e, com certeza, de ter acesso às informações sobre o mundo como ele é, ou ao menos como ele se apresenta a nossa subjetividade sem a distorção de terceiros.
Na semana do dia 06 de janeiro de 2025, Mark Zuckerberg anunciou que a Meta, empresa que controla o Facebook, o Instagram e o Whatsapp, irá censurar as empresas de checagem de fatos e as substituirá por um sistema de notas da comunidade, assim como faz o X do bilionário déspota Elon Musk, outro hater dos fatos.

Zuckerberg – que, me contaram no zap, é um assassino contumaz (é verdade? Quem se importa? Ele não liga pra uma mentirinha boba dessas)* - resolveu ajoelhar de vez para Donald Trump e para a extrema-direita mundial. Não podemos esquecer que, em 2018, o caso da Cambridge Analytica revelou que o Facebook permitia o recolhimento de dados dos seus usuários e que estes foram usados numa campanha massiva para eleger Trump.
Agora, “gente” como Zuckerberg – que, ouvi dizer, está envolvido com tráfico de crianças** – e Elon Musk – que, todo mundo sabe, é brocha*** – pretendem criar um mundo paralelo, em que as informações são distorcidas para os ganhos financeiros e políticos dessa mesma turma de sempre: a elite. Mundo paralelo que, no nosso país, é inventado por excrescências como (vejam só o nome) a Brasil Paralelo.

Porque, como mostra “A Vila”, quando as pessoas são alimentadas com mentiras, elas se tornam domesticadas. Seguem acriticamente seus líderes e atacam os inimigos falsos a partir de um simples comando dos donos.
No filme, Shyamalan cria um ambiente totalmente fechado. O controle da encenação que ele tem, resolvendo cada cena em pouquíssimos planos, ajuda neste sentimento de opressão. Nada está fora da pressão da mão pesada do diretor (e dos anciãos da vila). As coisas se resolvem ali, na frente da câmera, sob o olhar vigilante. É um filme que precisa se construir como totalmente impermeável, porque o que vem de fora desestabiliza as certezas falseadas.
É o que acontece com a personagem de Bryce Dallas Howard. Ivy tem deficiência visual e, portanto, está mais imune às imagens falsas que colocam aos olhos dos habitantes da vila. É ela que rompe a bolha e descobre que o mundo lá fora não é o pesadelo que pintaram. Que os monstros são falsos e que os estrangeiros não são apenas maléficos. Há bondade e maldade, há sofrimento e alegria. Há o olhar terno do guarda-florestal para aquela pobre criatura amedrontada.

O afeto é, justamente, a flagrante diferença entre o mundo construído por Shyamalan e o que estamos vivendo na vida real. Neste sentido, o diretor está ao lado de Clint Eastwood na apreensão do que é humano, no olhar de compreensão para as nossas experiências. As mentiras cunhadas pelos anciãos da vila causaram maus terríveis, custando até a vida de um dos habitantes. Mas, elas foram feitas com o intuito de proteção. Uma tentativa destrambelhada de afeto deu num mundo de falsidades. E só o afeto de Ivy por Lucius (Joaquin Phoenix) pode colocar este mundo em crise.
No capitalismo tardio, os recursos naturais escassos, os recursos humanos insuficientes e as fronteiras geográficas tornaram-se obstáculos para a produção. É preciso que se trabalhe cada vez mais e que as formas de controle se tornem mais “sofisticadas”. As pessoas - que quando não estão trabalhando num ambiente de competição extrema, de todos contra todos, estão presas nas redes sociais - veem-se cada vez mais dentro da própria bolha. Mais egocêntricas e narcisistas. Os afetos de abertura para o mundo (carinho, compreensão, amor, companheirismo) tornam-se praticamente inexistentes. O que mobiliza são os afetos violentos, a separação em grupos isolados, o sentimento de proteção do que é o meu e de morte ao que não é.

O que Zuckerbergs e Musks, os reptilianos (essa parte é verdade), querem é que todos estejam cada vez mais distantes da realidade como ela é. Porque, para sustentar o mundo deles, é preciso mentir. O marxismo, por exemplo, é materialista porque olha para as relações de produção, para a materialidade das coisas. O liberalismo, ao contrário, só pode ficar na teoria, senão ele desaba. Basta botar o pé na rua para perceber que nenhum dos preceitos da direita, dos capitalistas, existe no mundo. Para se manter como classe dominante, portanto, a burguesia precisa criar realidades paralelas, humanos dessensibilizados e inimigos falsos. Para que as pessoas produzam para eles e ainda se tornem seus cães de guarda.
Zuckerberg, assista a “A Vila”. Não para mudar de ideia, porque todos sabemos que, ainda que haja recuos, o objetivo será sempre o da opressão e controle. Mas, assista para entender que o afeto fura bolhas e que sempre haverá Ivys para enxergar além das suas mentiras.
*Esta é, obviamente, uma informação falsa, em tom de piada, para mostrar como todo tipo de afirmação esdrúxula pode ser feita se não há checagem de fatos.
**Esta é mais uma informação falsa feita através do humor.
***Esta informação só pode ser confirmada pela cantora Grimes.
Eric Campi (@ericcampi_) é jornalista formado pela Cásper Líbero e pós-graduado em Audiovisual pela FAAP. Já trabalhou em diversos veículos de jornalismo cultural, como na Revista CULT e nos sites Wikimetal e MadSound.
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