Notas sobre Lobisomem, de Leigh Whannell
- Eric Campi
- 17 de fev.
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de fev.

1. Há dois marcos iniciais das histórias de lobisomem no cinema. O primeiro deles é “O Lobisomem de Londres” (1935), de Stuart Walker, tentativa da Universal de adaptar a lenda clássica do folclore europeu a partir dos modelos de sucesso do próprio ciclo de terror, como de “Drácula” (1931) e “Frankenstein” (1931).
As inspirações desse primeiro exemplar são claras: de um lado temos um tom gótico como o de James Whale para o monstro Frankenstein; do outro, lembra o que Rouben Mamoulian havia feito com a história de “O Médico e o Monstro” (1931), falando do lado oculto e animalesco de um homem, mas trocando o ensaio sobre tesão (que era aquele filme) por um sobre o fim do casamento.
Ainda que seja uma obra importante, não tem o mesmo brilho que os filmes que o inspiraram. De qualquer forma, é daqui que vem a ideia de que “um lobisomem mata aqueles que mais ama”.
2. Já o segundo marco é “O Lobisomem” (1941), dirigido por George Waggner, que acerta nos pontos em que seu antecessor falhou. Joseph A. Valentine assina a direção de fotografia com um trabalho bem pautado no expressionismo alemão para dar conta do clima gótico, de perdição inescapável. O que os alemães ensinaram sobre o horror e que gente como Whale e Waggner entenderam é que ele pode ser poético.
Naquele momento, com o Código Hays em pleno funcionamento (ou seja, uma série de regras de censura ao cinema), o apelo do terror não poderia estar na violência ou na sexualidade explícitas. Estava, na verdade, entre os efeitos especiais dos acontecimentos sobrenaturais e a veia literária do romantismo. Era uma resposta ao iluminismo, que colocava em xeque as ideias burguesas de racionalidade, liberdade e de um realismo das artes.
Waggner também trata da impossibilidade de um relacionamento, mas ela se dá porque não há como negar o monstro que existe dentro do protagonista.
3. Leigh Whannell estourou com “Upgrade: Atualização”, em 2018, um filme de ação e ficção-científica de baixo orçamento, com toda a cara de filme B, ainda que conte com um refinamento na direção. O que mais chama a atenção é que, mesmo tendo total crença na obra que faz, sem precisar cair em cinismos e autoironia, é um filme de muito bom humor, que tira seus prazeres também da violência explícita e da bobagem da própria trama.
4. Já em 2020, o diretor faz “O Homem Invisível”, com Elisabeth Moss, repensando os filmes de monstro justamente daquele período clássico da Universal. A ideia é ancorar a criatura como uma alegoria para o trauma. No caso, abuso e gaslighting. De novo, Whannell demonstra uma certa sofisticação na criação do suspense e, principalmente, no uso dos espaços vazios e da tecnologia como receptáculos de um horror que não se materializa por completo, mas que carrega uma violência invisível.
5. Em 2025, já se tornou um clichê enorme a ideia de motivar o filme de terror a partir da superação de um trauma do passado. De colocar o sobrenatural como uma alegoria explícita, em vez de se dedicar ao horror que ela exerce por si só.
6. Whannel estreia “Lobisomem” como mais uma nova adaptação dos monstros clássicos para o cinema do séc. XXI. Do filme de Walker, ele traz a impossibilidade da relação entre um casal e o conceito de que o bicho mata quem ele mais ama. Do de Waggner, a tentativa de um horror poético, mais pensado pelo peso dramático das situações do que pelo apelo do filme de terror.
Christopher Abbott e Julia Garner interpretam o casal com um tom depressivo, pouquíssimo comunicativo. Essa é a metáfora explícita: duas pessoas que se amam, mas que, por suas naturezas distintas, já não conseguem mais se comunicar.
Quando o homem, Blake, transforma-se no monstro é apenas o cúmulo da relação de ambos. O diretor trata a ideia com delicadeza, mas o recurso formal utilizado – a fotografia que muda quando a câmera passa do ponto de vista de uma pessoa para a outra – acaba virando apenas um truque que se repete incessantemente.
7. O cinema de horror já viu diversos pais assustadores que, isolados numa localidade distante, tornam-se receptáculos para o mal. O mais famoso deles é Jack Torrance, em “O Iluminado”. O trunfo de Kubrick (e de Stephen King) lá é que, desde o começo, sabemos dos problemas com violência que o personagem tem.
Aqui, porém, Blake é uma vítima desde a infância. Deveríamos sentir medo do que ele pode fazer com a própria família, mas fica claro o caminho de redenção que a narrativa tomará desde muito cedo. O verdadeiro monstro é o avô, cuja presença naquele ambiente é bem pouco sentida.
8. Diferente de “O Homem Invisível”, a construção de suspense é pouco inspirada, com sequências que beiram o monótono e o jump scare telegrafado.
9. Whannell e Robert Eggers tiveram a mesma ideia de fotografia prateada para representar o mundo noturno e gótico de suas criaturas, neste e em “Nosferatu” (2024). Tecnicamente, o longa de Eggers se sai melhor, mas em ambos os casos, é pura perfumaria.
É de se pensar, portanto, como a fotografia expressionista, no séc. XXI, perdeu todo o seu potencial de expressão.
10. O desenho de som do filme é muito bom, mas depois que cumpriu o papel na cena em que o protagonista percebe o início de sua transformação, ele deixa de ter destaque.
11. Além de toda inspiração, “Lobisomem” lembra muito “O Lobisomem de Londres” em outro aspecto: ambos são bastante esquecíveis, ainda que não sejam exatamente filmes ruins.
12. Quanto a ensaios sobre a paternidade, o melhor e mais recente exemplar continua sendo “Armadilha” (2024), de M. Night Shyamalan.
Eric Campi (@ericcampi_) é jornalista e pós-graduado em Audiovisual. Já trabalhou em diversos veículos de jornalismo cultural, como na Revista CULT e nos sites Wikimetal e MadSound.
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