A insistência que sempre demonstro em relação à necessidade de me envolver com as mais diversas histórias já se tornou motivo de piada entre meus amigos mais próximos. Para alguns, minha irritação diante de um filme ruim é motivo de risadas e brincadeiras, mas eu as aceito de bom grado, até mesmo para suavizar as críticas que constantemente ecoam em mim. A capacidade de rir de si mesmo é um sinal de maturidade emocional, pelo menos é o que acredito.
Já me cansei de ouvir pessoas me dizendo que preciso encarar a vida com mais leveza, adotar um olhar mais otimista para as coisas, mas de antemão afirmo que essa raiva, esse desejo de transformar as coisas, faz parte intrínseca de quem sou. A diferença é que cresci nutrindo uma paixão por histórias e nelas encontro a estrutura que dá sentido à minha existência. Não como uma grande missão ou mensagens divinas, mas como um meio de lidar com o mundo, de compreendê-lo.
Isso é um dos motivos mais fortes pelos quais uma história mal contada, ou criada por alguém sem habilidade para manejar seus personagens, me causa tamanho desconforto. Um filme ruim provoca uma dor dentro de mim, uma dor física. É algo verdadeiramente apaixonado, como a hipérbole que sou, como um grande amigo costuma dizer: "Caetano, o homem hipérbole".
As histórias nos transportam para qualquer lugar. Pessoas com verdades muito rígidas as usam como defesa das narrativas, como um escudo contra o outro, como se fosse uma proteção para evitar confrontar as nuances, dúvidas, dores e sofrimentos que podem abalar suas convicções. Assim, nos tornamos inflexíveis para evitar o contato com algo que possa nos transformar.
Nossa cultura até celebra essa rigidez. O que seria um "redpill" senão a forma de uma criança temer que alguém lhe mostre outras possibilidades, outros mundos, outras formas de sentir e se relacionar? Uma criança que receia perder seu absolutismo, suas certezas ou o pouco de sentido que encontrou em sua visão superficial do mundo.
Não sinto raiva das histórias que não refletem minhas verdades. Sinto raiva das histórias que me mostram uma verdade óbvia, que reproduzem o senso comum, que não me desafiam como ser humano, não exploram as profundezas de nossas capacidades. Como aqueles que dizem gostar de "entretenimento" em determinados momentos, mas que me me fazem questionar se, em algum outro momento, realmente se relacionam com narrativas que vão além dessa ideia simplória de prazer.
Recentemente, o filme "Speak No Evil", em sua versão original, foi um exemplo marcante do tipo de obra que me impactou profundamente. Uma história que me deixou em um estado de confusão em diversos aspectos: emocional, ideológico, político. Uma narrativa bela que confronta minhas verdades e, quando tento me reorganizar, algum elemento da história me desestabiliza novamente. Odeio o filme por isso, mas o reverencio como uma obra de arte. Entretenimento? Não acredito muito nessa divisão tão categórica quando se trata de arte.
Na cultura da dicotomia entre "gostar e não gostar", estamos fadados a nos relacionar com obviedades. Isso me lembra do dia em que José Wilker me disse: "Não confio em nenhum médico que não tenha lido Shakespeare". Desde 2009, carrego essa afirmação comigo e sempre reflito sobre ela. Entendo-a como Wilker exigindo o que há de mais humano em nós: nossa imperfeição e nossa capacidade de falhar.
Não acredito em nenhum médico que não carregue dilemas, que não tenha incertezas. Não acredito em um médico que não demonstre medo, inveja, ciúmes. Que não seja nada além do que humano. Um mero humano.
Uma grande obra de arte, uma grande história nos confronta com incertezas. E é dessas incertezas que tiramos a coragem para arriscar, para olhar para o que é diferente como algo único. O outro é único. Eu nunca consigo realmente ver quem ele é. Então, como podemos procurar respostas em estatísticas para protocolos e verdades sobre como cuidar uns dos outros?
Não há uma história que sirva para todos. Não há um remédio que cure a todos. Não há uma política que conserte tudo. Nem uma verdade que elimine todas as angústias de sermos humanos. Para alguns, a própria condição humana é a própria angústia, transformando todas as suas lutas e narrativas em algo que os faça esquecer que são, simplesmente, humanos.
E para esses, não há história que os salve de si mesmo.
Caetano Grippo é cineasta, artista plástico e educador.
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