"A ética como a mais sombria e audaciosa das conspirações."
Tradução: Helen Araujo
Há algo ainda pior do que ser engolido pela realidade de um ato sexual não sustentado pela tela fantasmática: o seu oposto exato – o confronto com a tela fantasmática desprovida do ato. Isso ocorre precisamente em uma das cenas mais dolorosas e perturbadoras de Coração Selvagem. Em um quarto de motel solitário, Willem Dafoe exerce uma pressão rude e coercitiva sobre Laura Dern: ele a toca e aperta, invadindo seu espaço íntimo enquanto exige repetidamente, de forma ameaçadora, "Diga 'me fode!'"—tentando extorquir dela uma palavra que sinalizaria consentimento para um ato sexual. A cena feia e desagradável se prolonga, e, quando Dern, exausta, finalmente murmura um "Me fode" quase inaudível, Dafoe se afasta abruptamente. Ele assume um sorriso amigável e responde alegremente: "Não, obrigado, não tenho tempo hoje; mas em outra ocasião, faria com prazer."

O desconforto desta cena reside no fato de que a rejeição inesperada de Dafoe à oferta forçada de Dern entrega a humilhação definitiva. Sua recusa torna-se seu triunfo, degradando-a ainda mais do que um estupro direto poderia ter feito. Ele alcança o que realmente deseja – não o ato em si, mas o consentimento dela, simbolizando sua humilhação. O que se desenrola aqui é uma forma de estupro na fantasia que se recusa a se realizar na realidade, degradando ainda mais a vítima. A fantasia é provocada apenas para ser abandonada e lançada de volta sobre a vítima. É evidente que a personagem de Laura Dern não está simplesmente enojada pela intrusão brutal de Dafoe (Bobby Peru) em sua intimidade; pouco antes de dizer "Me foda," a câmera foca em sua mão direita enquanto ela lentamente abre os dedos – um sinal de aquiescência (de concentimento) e prova de que ele despertou sua fantasia.
Esta cena pode ser interpretada através de uma lente Lévi-Straussiana como uma inversão da narrativa padrão de sedução. No cenário típico, uma abordagem gentil culmina em um ato sexual brutal depois que a mulher finalmente diz "Sim." Aqui, no entanto, a rejeição educada de Bobby Peru ao "Sim" coagido de Dern tem um impacto traumático porque expõe a estrutura paradoxal do gesto vazio que constitui a ordem simbólica. Depois de brutalmente extrair o consentimento dela para o ato sexual, Peru trata o "Sim" dela como um gesto vazio a ser educadamente recusado – confrontando-a brutalmente com seu próprio investimento fantasmático subjacente.

Como uma figura tão feia e repulsiva como Bobby Peru pode abalar a fantasia de Laura Dern? Aqui tocamos no motivo da feiura em si: Bobby Peru é grotesco e repulsivo porque encarna o sonho de uma vitalidade fálica não castrada em toda a sua força bruta. Seu corpo inteiro evoca um falo gigantesco, com sua cabeça lembrando a ponta de um pênis. Até seus momentos finais refletem essa energia crua: após um assalto a banco dar errado, ele explode sua própria cabeça – não em desespero, mas com risadas alegres. Bobby Peru pertence, assim, a uma linhagem de figuras maiores que a vida de maldade autoapreciativa. Um exemplo clássico do trabalho de Lynch é Frank (Dennis Hopper) em Veludo Azul: Pode-se até argumentar que Bobby Peru representa a culminação desses arquétipos, explorados também nos filmes de Orson Welles.
"Bobby Peru é fisicamente monstruoso, mas será moralmente monstruoso também? A resposta é tanto sim quanto não. Sim, porque ele comete crimes para autopreservação; não, porque, de um ponto de vista moral mais elevado, ele possui qualidades – pelo menos em certos aspectos – que o elevam acima de Sailor (Nicolas Cage), que carece do que se poderia chamar de vitalidade shakespeariana. Esses seres excepcionais não podem ser julgados por leis comuns; eles são tanto mais fracos quanto mais fortes do que os outros... mais fortes porque estão diretamente conectados à verdadeira natureza das coisas – ou talvez até a Deus."
Outra maneira de interpretar esta cena de Coração Selvagem é através da inversão subjacente dos papéis de gênero padrão nas dinâmicas de sedução heterossexual. As feições exageradas de Willem Dafoe – sua boca desproporcional com lábios grossos e úmidos cuspindo saliva, contorcida em expressões obscenas com dentes escuros e tortos – evocam uma imagem reminiscente da vagina dentata. Sua aparência grotesca funciona como uma provocação vulgar – um sinal visual que incita o relutante "Me fode" de Dern.

Essa referência ao rosto distorcido de Dafoe como um proverbial "rosto-vagina" sugere que, sob a narrativa superficial – de um homem agressivo impondo-se sobre uma mulher vítima – outro cenário fantasmático se desenrola. Aqui vemos uma inversão: um jovem inocente (simbolizado por Dern) sendo agressivamente provocado e depois rejeitado por uma mulher vulgar e madura (encarnada por Dafoe). A cena deve ser lida como a reversão do motivo romântico padrão de "a morte e a donzela": o que temos aqui é "a vida e a donzela."
Essa cena com Bobby Peru em Coração Selvagem deve ser lida em conjunto com outra, igualmente dolorosa, de Veludo Azul (nota de tradução: aqui parece que Slavoj Zizek se equivoca dizendo Veludo Azul, mas está na verdade descreve uma cena de Estrada Perdida), em que Eddy (uma figura de gângster e mestre) leva Pete (o herói do filme) para um passeio em seu caro Mercedes para verificar o que há de errado com o carro. Quando um homem em uma limusine comum os ultrapassa de forma injusta, Eddy o empurra para fora da estrada com seu Mercedes mais potente e, então, lhe dá uma lição: com seus dois brutamontes, ameaça o assustado homem comum com uma arma e, em seguida, o deixa ir, gritando furiosamente para que ele "aprenda as malditas regras." É crucial não interpretar essa cena de forma equivocada. Seu caráter chocantemente cômico pode facilmente nos enganar, mas é necessário levar Eddy a sério como alguém que tenta desesperadamente manter um mínimo de ordem — ou seja, impor algumas "malditas regras" elementares nesse universo caótico.

Nessa linha, pode-se até ser tentado a reabilitar a figura ridiculamente obscena de Frank em Veludo Azul como o obsceno executor das Regras. Figuras como Eddy (Estrada Perdida) (nota de tradução: aqui ele corrige o equívoco), Frank (Veludo Azul), Bobby Peru (Coração Selvagem) ou até o Barão Harkonnen (Duna) são exemplos de afirmação e gozo excessivos e exuberantes da vida — eles são, de certa forma, malignos "além do bem e do mal." No entanto, Eddy e Frank são, ao mesmo tempo, defensores do respeito fundamental pela Lei sócio-simbólica. E aqui reside seu paradoxo: eles não são obedecidos como autoridades paternas autênticas; são fisicamente hiperativos, agitados, exagerados e, como tal, já inerentemente ridículos. Nos filmes de Lynch, a lei é imposta por um agente ridículo, hiperativo e que desfruta intensamente da vida.
O início de Uma História Real, com as palavras que introduzem os créditos — "Walt Disney Presents - A David Lynch Film" — talvez forneça o melhor resumo do paradoxo ético que marcou o final do século XX: a sobreposição da transgressão com a norma. Walt Disney, a marca dos valores conservadores da família, abriga David Lynch, um autor que personifica a transgressão ao trazer à luz o submundo obsceno do sexo pervertido e da violência que espreita sob a superfície respeitável de nossas vidas.
Hoje, cada vez mais, o aparato cultural-econômico — para se reproduzir sob condições de competição de mercado — não apenas tolera, mas incita diretamente efeitos e produtos cada vez mais chocantes. Basta lembrar as tendências recentes nas artes visuais: já se foram os dias em que tínhamos simples estátuas ou quadros emoldurados. O que vemos agora são exposições de molduras sem pinturas; exposições com vacas mortas e seus excrementos; vídeos mostrando o interior do corpo humano (gastroscopia e colonoscopia); inclusão de odores em exposições, etc. Aqui novamente, assim como na sexualidade, a perversão não é mais subversiva: os excessos chocantes fazem parte do próprio sistema — o sistema se alimenta deles para se reproduzir. (tem um episódio no podcast do Espaço Rasgo que fala sobre essa postura dos valores conservadores)
Se os primeiros filmes de Lynch também foram pegos nessa armadilha, o que dizer de "História Real" (nota de tradução: o título original do filme é The Straight Story), baseado na história verídica de Alvin Straight — um velho fazendeiro debilitado que cruzou as planícies americanas em um cortador de grama John Deere para visitar seu irmão doente? Essa narrativa de ritmo lento sobre persistência implica uma renúncia à transgressão — uma guinada para uma ingenuidade imediata ou uma postura ética direta de fidelidade? O próprio título do filme, sem dúvida, faz referência à obra anterior de Lynch: esta é a história "reta" em relação ao seus "desvios" nos mundos sombrios e inquietantes de "Eraserhead" a "Estrada Perdida". Mas, e se o herói "reto" do último filme de Lynch for, na verdade, muito mais subversivo do que os personagens excêntricos que povoam seus filmes anteriores? E se, em nosso mundo pós-moderno, onde o compromisso ético radical é visto como ridiculamente fora de época, ele for o verdadeiro marginal?

Aqui, deve-se lembrar a antiga e perspicaz observação de G.K. Chesterton em "Uma Defesa das Histórias de Detetive", sobre como essas histórias "mantêm de certa forma diante da mente o fato de que a civilização em si é a mais sensacional das revoluções e a mais romântica das rebeliões. Quando o detetive em um romance policial enfrenta sozinho e com uma coragem quase patética as facas e punhos de uma cozinha de ladrões, isso certamente nos faz lembrar que é o agente da justiça social quem é a figura original e poética, enquanto os ladrões e bandidos são apenas velhos conservadores cósmicos satisfeitos em sua imemorial respeitabilidade de macacos e lobos. O romance policial... baseia-se no fato de que a moralidade é a mais sombria e ousada das conspirações."
E se ESSA for, em última análise, a mensagem de Lynch — que a ética é "a mais sombria e ousada de todas as conspirações", e que é o sujeito ético quem realmente ameaça as ordens existentes? Isso contrasta com a longa série de excêntricos perversos de Lynch (Barão Harkonnen em "Duna", Frank em "Veludo Azul", Bobby Peru em "Coração Selvagem...") que, no fim, sustentam essas ordens? Talvez a oposição entre o herói "reto" de Lynch e suas figuras-mestres ridiculamente exageradas determine as coordenadas extremas da experiência ética do capitalismo tardio — com a estranha reviravolta de que Bobby Peru é estranhamente "normal", enquanto o homem "reto" de Lynch é inquietantemente estranho, até mesmo perverso. Assim, encontramos a oposição inesperada entre a estranheza de uma postura ética completa e a monstruosa "normalidade" de uma postura totalmente antiética.
Lembre-se do slogan de Brecht: "O que é roubar um banco comparado a fundar um novo banco?" Aí reside a lição de "História Real", de David Lynch: o que é a patética perversidade de figuras como Bobby Peru em "Coração Selvagem" ou Frank em "Veludo Azul" comparada à decisão de atravessar as planícies centrais dos EUA em um trator para visitar um parente moribundo? Em comparação com esse ato, os surtos de raiva de Frank e Bobby parecem os teatros impotentes de velhos conservadores acomodados.
Helen Araújo é jornalista graduada pela Casper Líbero e em Artes Visuais pela Faap. Estudou direção em cinema no Instituto del Cine em Madrid.
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