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Quando as coisas deixam de significar

Vejo muitas pessoas fazendo críticas a histórias que se parecem muito simplórias. Algum jovem na internet sempre estará vociferando contra algum personagem que faz coisas extraordinárias quando está munido de muito pouco. Como em uma história recente que acompanhei, onde uma adolescente defende seu irmão, ainda uma criança, contra a inquisição, munida somente de um estilingue, arremessando pedras na têmpora de soldados fortemente armados.  


‘Como isso é possível? Até parece que ela faria algo assim.’ - Esbraveja o grande público. 


Vivemos em um tempo onde o inimaginável só é permitido quando uma história está claramente atrelada a uma estética fantástica. Onde claramente exista sinais que digam: veja, isso não é real, é só de mentirinha. Mesmo assim, os filmes de super heróis se forçam cada vez mais a construir uma carapaça de realidade para que o público não se desprenda desse suposto ‘real’ por muito tempo. É como se sonhar fosse um pecado. Como se sonhar fosse apenas permitido para crianças. 


E o que mais me soa absurdo é o fato de que, diante de tanta exigência para que as histórias sejam pautadas no real, ainda assim o público parece cada vez mais só manifestar os desejos mais infantis e imaturos a respeito das histórias. Como se o real impedisse a nossa capacidade de nos aprofundarmos na nossas próprias incapacidades. 


A ausência do sonhar nos impede de construirmos possibilidades de existência. E não me refiro somente ao sonhar durante o nosso descanso, mas também durante a vigília, o estar acordado. Nas nossas trocas, nas histórias que contamos, nos nossos convívios. 


Para isso, precisamos resgatar o simples hábito de entender que, muitas vezes, o estilingue é a única arma que temos. E que que enfrentar a inquisição talvez seja mais um sentimento que está presente no nosso cotidiano. Enfrentar algo muito maior do que aparentemente somos capazes. Se vamos além na história dessa adolescente, perceberemos que há muito mais para se entender na simplicidade, no ordinário e em feitos que parecem absurdos. Essa é uma das grandiosidades que as pequenas histórias possuem. Onde, através de um conto simples, nos conduzem para sonhos e significados muito maiores do que estamos habituados a enfrentarmos na crueza da ideia de real. 


Mas precisa ter vontade.

E coragem.

***


Caetano Grippo é cineasta, artista plástico e educador.


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